Por Gastão Ponsi
Avançamos, inegavelmente.
Mas essa “marcha adiante” cobra seu preço em cada fração de tempo, como se os segundos fossem propriedades a serem exploradas em nome do famigerado “desenvolvimento”.
Houve, sim, uma permuta curiosa: os outrora vendedores de sonhos cederam espaço aos agora onipresentes vendedores de tempo.
Percebeu-se, talvez com pragmatismo excessivo, que a venda de ilusões era um negócio obsoleto, coisa de um passado romântico e pouco lucrativo.
Assim, que se relegue ao esquecimento a epopeia da espera pela água da CORSAN, aquela novela com infinitos capítulos e nenhum desfecho minimamente satisfatório.
A nova saga que assola o cotidiano são-borjense é a da luta, por enquanto inglória, contra o implacável relógio, onde cada minuto de imobilidade urbana se converte em uma moeda a menos no já combalido bolso do cidadão.
O futuro, meus caros, reside agora na arte de comercializar o tempo… de estacionamento, é claro.
Doravante, cada vez que se estaciona o veículo nas ruas da cidade, a sensação é a de adentrar um parque de diversões peculiar, onde, em vez de se pagar pelo deleite de um brinquedo, o tributo é cobrado pela efemeridade de cada minuto ali despendido.
E a “modernidade”, essa palavra mágica e multifacetada que serve como panaceia para justificar quase tudo, é brandida como a desculpa oficial para essa nova ordem.
A “modernidade”, meus amigos, reside agora no ato prosaico de parar o carro para adquirir um pastel com um cronômetro imaginário, porém ameaçador, grudado na testa.
O pacato são-borjense, outrora iludido com cada promessa mirabolante de campanha eleitoral, agora se agarra à tênue esperança de encontrar uma vaga livre, um oásis improvável no meio desse deserto de parquímetros ambulantes, ávidos por cada centavo.
E quando, por um golpe de sorte, a encontra, eleva uma prece silenciosa aos céus para que o tempo pago seja suficiente para a empreitada, pois a multa, ah, a multa é o ingresso VIP para o oneroso e indesejado mundo do endividamento.
A vaga na rua, outrora um direito quase inalienável, transformou-se em artigo de luxo, cotada a preço de ouro, enquanto os antigos vendedores de sonhos, agora reciclados em astutos mestres da arte do estacionamento pago, discorrem sobre as maravilhas e os benefícios desse sistema “inovador”.
E não se iludam, a expertise dos velhos tempos está sendo utilizada com maestria.
Com a mesma desenvoltura com que prometiam empregos e renda fartos, agora nos convencem de que pagar para estacionar é um ato de civismo, um contributo essencial para o bem comum.
Os antigos vendedores de sonhos da política local, outrora mestres na arte da retórica eleitoreira, metamorfosearam-se em gurus do estacionamento tarifado.
Com a mesma eloquência com que prometiam pronto atendimento na área da saúde, que jamais se materializaram, agora explicam os intrincados benefícios de se onerar o ato de estacionar na via pública.
É um “avanço”, proclamam, um “incentivo à rotatividade”.
Claro, rotatividade de dinheiro escoando do bolso do usuário diretamente para o caixa da concessionária.
Afinal, quem outrora vendeu a ilusão de um futuro paradisíaco, vende com facilidade a ideia de que cada minuto de imobilidade possui um preço.
Mas, cuidado, amigo transeunte! Em São Borja, a boca parece servir unicamente para proferir elogios aos novos mercadores do tempo.
Reclamar? Até poderia.
Para a gloriosa AGESB, Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de São Borja. Que nome! Que pompa!
Do alto do Olimpo evoca uma seriedade, uma fiscalização rigorosa, um olhar atento sobre o bem-estar do cidadão… quase uma orquestra regendo o complexo universo dos serviços públicos.
Dizem as boas línguas (e alguns documentos, provavelmente) que essa augusta agência recebe uma pequena fatia do bolo arrecadado pelos nossos andarilhos do estacionamento.
Modestos 2% do valor mensal bruto.
Ah, 2%!
Quase uma ninharia, um gesto singelo de reconhecimento pelos “relevantes serviços prestados à comunidade”, a CORSAN que o diga.
Portanto, recorde-se: os vendedores de sonhos de outrora uniram forças com os vendedores de tempo de agora para urdir um paraíso peculiar… para os cofres da concessionária.
E você, o cidadão comum, admirando a paisagem dos onipresentes parquímetros ambulantes enquanto engole a seco a amarga ironia e a vontade premente de proferir algumas verdades inconvenientes.
Mas lembre-se, aqui, a boca se destina apenas a elogios.
E o bolso, ah, o bolso, esse se destina invariavelmente ao pagamento.
E, muito.