Uma crônica de Leandro Krause
Na cidadezinha pacata da fronteira gaúcha, onde o tempo parecia passar devagar e a vida seguia no compasso da calmaria, algo mudou. Ou melhor: desandou.
Completam-se hoje seis meses da posse do atual prefeito — aquele que venceu as eleições com um apelido camarada, quase folclórico, e agora exige ser chamado pelo nome completo, como se o título conferisse respeito automático. Pediu seis meses para “ajeitar a casa”.
O povo, paciente como só povo de interior sabe ser, aceitou. Mas o prazo venceu, e a casa continua do mesmo jeito: com goteira, cupim e tranca frouxa. Para tentar mostrar serviço, formou uma comissão. Nomes escolhidos a dedo. Mas dedo torto, parece. Porque a tal comissão virou sinônimo de nada: nada decidiu, nada executou, nada resolveu. O tal dito só aparece em foto e mais parece a rainha da Inglaterra: sabemos que está lá mas não resolve nada.
Enquanto isso, a cidade vai se esfarelando. A água é uma das mais caras do estado. O esgoto, então, parece item de colecionador: com preço digno de prestação de Ferrari — mas com entrega de carrinho de rolimã. O asfalto, esse sofre. Choveu? Pode esperar o buraco. A pavimentação dura menos que promessa de campanha. Faltou estudo técnico? Faltou tudo.
O transporte público some aos poucos, como quem não quer chamar atenção. Ônibus desaparecendo, horários cortados, itinerários reduzidos. É o povo ficando a pé — e calado, por falta de escuta. Já a saúde… deixa pra lá. É tema tão grave que merece uma crônica própria.
Hoje o assunto é outro: é o corte de gastos. O mesmo prefeito que, em campanha, distribuía esperança em pílulas diárias, agora só aparece pra cortar. E não corta privilégios, corta serviço, corta acesso, corta dignidade.
Teve tentativa de fechar escolas. Não conseguiu. Tentou demissões em massa — e agora coleciona ações judiciais por contratações feitas de forma irregular tempos atrás. O gás, esse virou piada: estamos conhecidos como a capital do gás, mas é por falta de pagamento. E cada semana traz uma nova manchete de cair o queixo.
É tanto escândalo que dá vontade de instalar um tapete vermelho na praça e chamar a Netflix pra gravar. E agora, no meio de toda essa confusão, surgem os eleitores arrependidos. Gente que votou com o coração, embalado por promessas e apelido simpático, e agora percebe que colocaram no comando alguém sem preparo técnico, sem formação, sem direção.
Do outro lado, havia quem tinha estudo, formação sólida, experiência pra seguir tocando a cidade. Mas em tempos de voto emocional, a razão fica pra depois — quando já é tarde.
A cidadezinha virou cenário de cinema. Mas daqueles filmes tristes, com roteiro surreal e final que ninguém aguenta mais assistir. Enquanto o prefeito viaja mais que piloto de avião, o povo vai ficando.
Aguardando por soluções que não chegam, ouvindo discursos que não colam mais, e tentando sobreviver com dignidade.
Como se não bastasse, essa semana ainda teve a cereja do bolo: a foto. Aquela, da entrega de um cheque gigante, daqueles que parecem saídos de programa de auditório. A peça publicitária era tão grande que, pelo peso simbólico, deve ter uma tonelada. O papel quase não coube no quadro da foto, de tanta gente querendo sair junto, todos sorridentes — talvez pela hipocrisia em grupo, que parece mais leve quando se divide entre muitos.
A população? Só observa, entre cansaço e ironia. Entre uma foto e outra e batidinhas nas costas vamos atravancando igual ao cágado da pracinha da esperança.
Eu, de cá, sigo fazendo meu brigadeiro. E comendo pipoca. Porque, no fim das contas, sou um cidadão que aguenta viver nessa cidadezinha pacata — e adoro ela, entre trancos e barrancos.
A crônica publicada é uma manifestação individual e representa exclusivamente a opinião de seu autor. O conteúdo não reflete, necessariamente, a linha editorial ou a posição institucional do portal Fronteira 360.