A morte do coronel reformado Rubens Robine Bizerril, aos 90 anos, lança luz sobre os custos da omissão do Estado brasileiro diante de militares envolvidos em crimes durante a ditadura.

Ao longo de sete décadas, Bizerril recebeu R$ 21 milhões dos cofres públicos — e cerca de 75% desse valor foram pagos depois que ele passou à reserva, já como pensionista.

O caso é tema central do episódio mais recente do podcast A Hora, do UOL, apresentado pelos jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo.

“O indiciamento dos caras que não são os cabeças do golpe, mas que foram fundamentais para a operacionalização tática do golpe, é extremamente importante, porque a história mostra que é importante”, afirma Toledo, em referência à tentativa de golpe de 2023, que agora leva 31 militares ao banco dos réus.

A trajetória de Bizerril espelha o padrão de promoção e proteção a agentes da repressão. Em 1964, ele atuava na escola de preparação de cadetes em Campinas. Já em 1972, como major, comandava o 10º Batalhão de Caçadores, em Goiânia, quando o estudante Ismael Silva de Jesus, de 19 anos, foi sequestrado, torturado e morto. O assassinato foi forjado como suicídio.

Mesmo com a redemocratização, Bizerril seguiu sendo remunerado pelo Estado. “Virou funcionário do Serviço Nacional de Informações e depois, com a volta à democracia, o SNI passa a se tornar a Abin e ele continua como funcionário da Abin e acaba cedido ao Ministério da Justiça”, relata Toledo.

Em 2000, já durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Bizerril chefiava o principal sistema de informações do Ministério da Justiça quando foi descoberto por Renato Sérgio de Lima, hoje presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Segundo Toledo, “o jovem funcionário ficou desconfiado porque ouviu um relato de uma reunião em que o coronel tinha participado, falando meio de piada, meio sério, sobre política de direitos humanos, falou de ossadas e uso de cal”.

Pouco depois, descobriu-se que Bizerril era citado no relatório Brasil: Nunca Mais como responsável por tortura e homicídio. “Chegou essa notícia à imprensa, a imprensa divulgou com bastante ênfase esse fato, porque coincidiu com a semana de combate à tortura e o coronel caiu”, conta Toledo.

Somente em 2022, o Ministério Público de Goiás o denunciou formalmente pelos crimes de homicídio, tortura, sequestro e falsificação de documentos públicos. No entanto, a Justiça Federal rejeitou a denúncia com base na Lei da Anistia.

O jornalista Tiago Mali foi quem calculou os valores pagos pelo Estado a Bizerril, a pedido de Toledo. “Na estimativa muito parcimoniosa e conservadora do Thiago, foram 21 milhões de reais que ele recebeu ao longo da vida do Estado brasileiro, e desses 21 milhões de reais, três de cada quatro reais ele recebeu sem trabalhar.”

Para a jornalista Thais Bilenky, o caso é emblemático: “Ele não só não foi condenado, como foi premiado pelo Estado brasileiro.”

Ao ser confrontado em 2000, Bizerril tentou dividir responsabilidades: “Eu não sou o único, tem vários outros aí no governo”, declarou. “Tem um monte de gente aí, e tinha de fato”, completa Toledo.

Hoje, a história parece se repetir. O Supremo Tribunal Federal já transformou em réus 31 envolvidos na tentativa de golpe de 2023, incluindo 21 militares — entre eles o general Teófilo, três coronéis e cinco tenentes-coronéis.

“Para evitar que essa situação se repita em uma nova circunstância, com uma nova tentativa de golpe, é necessário julgar e condenar quem teve culpa nesse golpe”, defende Toledo.

Ele também critica a manutenção de pensões a militares expulsos por crimes graves. “É um escândalo que o Brasil pague 25 milhões de reais por ano para familiares de pessoas que cometeram crimes.”

A conclusão do caso Bizerril é dura: a impunidade custa caro — não apenas em termos morais e políticos, mas também financeiramente. Durante décadas, o Estado sustentou quem atentou contra a democracia, enquanto as vítimas ficaram sem reparação.