Reportagem com informações do UOL
A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) apontaram que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ignorou ao menos seis alertas emitidos por órgãos de controle e atuou para beneficiar entidades suspeitas de envolvimento em um esquema bilionário de descontos indevidos aplicados a aposentados e pensionistas.
As revelações constam em investigações que levaram ao afastamento do presidente do INSS e de outros quatro dirigentes da alta cúpula do órgão. Segundo reportagem de Mateus Coutinho e Natália Portinari, publicada no portal UOL, os investigadores desmontam a versão apresentada oficialmente pelo governo Lula, que alegou ter adotado medidas para coibir os descontos indevidos.
A Polícia Federal elaborou uma cronologia detalhada mostrando que o próprio INSS flexibilizou regras que ele mesmo havia criado, abrindo brechas para que os descontos em folha continuassem a ser aplicados.
Entre maio e julho de 2024, a CGU enviou seis alertas sobre as irregularidades, todos ignorados pela direção do INSS. O esquema envolvia acordos de cooperação técnica com entidades que ofereciam supostos benefícios aos segurados, permitindo o desconto automático das mensalidades diretamente nos benefícios pagos pelo Instituto.
Esses acordos começaram a ser firmados em 2019, ainda no governo Bolsonaro, e só foram suspensos após a operação da PF na semana passada.
Apesar da gravidade do caso, o Ministério da Previdência, comandado por Carlos Lupi, optou por não comentar os detalhes das investigações sob alegação de sigilo. Em nota enviada ao UOL, o ministério reiterou as declarações divulgadas na última sexta-feira, sem responder diretamente às acusações. À Folha de S.Paulo, Lupi afirmou que as irregularidades vêm da gestão anterior e que chegou a demitir um diretor por não ter dado andamento a uma auditoria interna.
Contudo, a PF sustenta que houve tentativas deliberadas por parte da cúpula do INSS de burlar as medidas de controle, incluindo ações atribuídas ao então presidente do órgão, Alessandro Stefanutto, indicado pelo próprio Lupi.
A investigação revelou que, mesmo após declarações públicas de combate à fraude, a direção do INSS teria trabalhado nos bastidores para enfraquecer os mecanismos de fiscalização.Apenas em fevereiro de 2025 foi implementado, de forma efetiva, um sistema de biometria da Dataprev que havia começado a ser testado em maio do ano anterior.
O INSS, novamente procurado pela reportagem, respondeu apenas com a nota genérica divulgada anteriormente, sem comentar diretamente os apontamentos da Polícia Federal.
Confira a cronologia do caso feita pela Polícia Federal:
14 de março de 2024 – INSS edita a instrução normativa 162 que condicionava os novos descontos de beneficiários à adoção de tecnologias de assinatura eletrônica avançada e biometria. Os parâmetros destas tecnologias para dificultar fraudes seriam definidos pelo Dataprev, estatal responsável por gerir a base de dados do INSS.
10 de abril de 2024 – INSS envia medida cautelar à Dataprev informando que não seriam permitidos novos descontos em folha que não respeitassem as novas regras a partir de maio daquele ano. Na prática, a medida representou um bloqueio dos descontos na folha dos beneficiários naquele momento.
11 de abril de 2024 – INSS divulga em seu site o bloqueio dos descontos até que as novas tecnologias do Dataprev para garantir a segurança do sistema fossem implementadas.
24 de maio de 2024 – Em paralelo aos bloqueios, diretoria de Benefícios do INSS inicia tratativas com o Dataprev para buscar uma “solução transitória” para os descontos voltarem a ser feitos em junho daquele ano com base em propostas apresentadas por duas entidades, sendo uma delas o Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados), que tem como vice-presidente um dos irmãos do presidente Lula, conhecido como Frei Chico.
29 de maio de 2024 – Dataprev responde o INSS e diz que as propostas das duas entidades não atendem aos requisitos da instrução normativa e que seria “prudente” aguardar até setembro de 2024, previsão para implementação da própria tecnologia do Dataprev.
30 de maio de 2024 – Diretoria de Benefícios pede ao então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, que a regra “transitória” já comece a valer em junho daquele ano.
5 de junho de 2024 – Presidente do INSS autoriza que regra transitória comece a valer em junho daquele ano apenas para três entidades: Sindpani, Amar BR e Masterprev. A tecnologia prevê “assinatura eletrônica avançada e biometria facial com validação em bases biométricas públicas” que não havia sido chancelada pelo Dataprev.
Junho de 2024 – PF e CGU descobrem que, além destas três entidades, em junho daquele ano foram autorizados os descontos em folha de outras 30 entidades às quais a investigação não teve acesso ao procedimento de autorização.
10 de junho de 2024 – INSS pede à Dataprev que analise uma documentação eletrônica sobre o portal de assinaturas eletrônicas da Masterprev.
13 de junho de 2024 – Dataprev informa ao INSS que a documentação encaminhada não é suficiente para atestar que o sistema de assinaturas da Masterprev atende aos parâmetros técnicos necessários.
19 de setembro de 2024 – CGU cobra providências sobre entidades que receberam recursos de descontos em folha e não prestaram informações adequadas para explicar os descontos ao órgão de controle. Além disso, a CGU reiterou outros seis pedidos de providências encaminhados entre maio e julho daquele ano e estavam sem resposta.
16 de outubro de 2024 – CGU solicita reunião com direção do INSS para checar se implementaram as recomendações feitas por eles. Reunião é marcada para o dia 11 de novembro.
14 de novembro de 2024 – Após constatar que medidas recomendadas para mitigar as fraudes não haviam sido atendidas, CGU emite nova nota técnica alertando que a regra transitória adotada pelo INSS para liberar os descontos trouxe “riscos significativos” de perpetuação das fraudes e de descontos indevidos.